Tirado e Marcado a Ferros: apreciar o que a natureza dá

A Natureza dá, por vezes de forma indomável, de forma selvagem e incontrolável, mas dá e está em constante criação. É essa dialética que talvez melhor descreva os vinhos Tirado e Marcado a Ferros.  O regresso às provas de vinho na Garage Wines (GW), em 2020, prometia ser arrojada com a apresentação do projeto de Pedro Pimentel Pereira e os seus vinhos Tirado a Ferros e Marcado a Ferros. Promessa cumprida? Sim. Lembramos que uma ida à GW é um dos melhores programas de fim de tarde dos amigos enófilos.

Se é algo que ficou imediatamente claro na presença forte do produtor e enólogo é a paixão quase sanguínea por este projeto e pelo Dão, a ligação umbilical às suas raízes, a sua paixão pelo terroir, a vontade de respeitar processos ancestrais e de “fazer vinhos sérios e não mexer com aquilo que a natureza dá”. Uma inspiração para qual o seu avô contribuiu de forma decisiva, tal a forma constante como Pedro Pimentel o lembra.

Então o que podíamos esperar? Muita frescura, pouco grau e traços evidentes daquilo que é a vinha, em suma, uma viagem de um projeto que respeita o terroir.

Começámos com o Marcado a Ferros Branco 2018 e muito bem. Frescura no nariz, acidez bem evidente, mineral, quase crocante, elegante. Madeira bem integrada. Seco. Quase podemos continuar a mastigar com toque de maçã e marmelo. Na base estão Vinhas velhas – “o que há mais é Malvasia, Encruzado, Uva-cão, Cercial…” Aqui as origens são novamente mencionadas: Método usado pelo avô. Foco no empirismo e vontade de correr riscos, são notas que o produtor nos deixa.

Depois, prosseguimos com o Marcado a Ferros 2016. Apresenta mais aroma no nariz, pão, farinha húmida, toque tostado, maçã, mais num contraste entre ser mais redondo e intenso. Às vezes tranquilo, outras vezes mais vivo. Mais complexo, toque melado – sinónimo de rasgões de calor. Mais álcool. Barricas mais novas.

Se no primeiro branco a frescura, acidez do vinho surpreenderam, no segundo a complexidade de aromas tornou o vinho mais interessante. Se querem o melhor do dois mundos, o Tirado a Ferros 2018 responde. Oferece mais untuosidade, mais complexidade, no nariz sugere aroma melado, marmelo, maçã ou mesmo maçã cozida e um toque herbáceo. Na boca, como referimos tem uma untuosidade e bom volume de boca, uma acidez alta, com toque de maçã, quase amanteigado que lhe dá um toque de frescura e de conforto. É um vinho que fica, que permanece. Provavelmente foi o melhor da prova. Nas castas encontrámos: Encruzado, Malvasia Fina, Cercial, Uva Cão, Fernão Pires, entre outras. Se querem ver uma nota de prova sugerimos um breve salto ao www.winenstuff.com.

O passo seguinte foi provar o novo Rosé da Pimentel Pereira Wines: é polémico, arrojado e não vai gerar consenso. Pedro Pimentel recomenda harmonização com sushi, até porque só passou a gostar depois da conjugação com o seu vinho. Ainda há vinhos que fazem milagres!

Nariz estranho, lembra cimento, conservas (a alguns de nós, pelo menos)…Na boca é seco, com notas de verniz, é rústico, com tanino presente. 60% tinto 40% branco. Castas: Touriga Nacional, Baga, Jaen, Tinta Pinheira, Malvasia, Encruzado e Uva Cão.

Foi, de facto, uma sinuosa e inesperada caminhada para os tintos que revelaram frescura, acidez e uma vez mais um lado rústico marcante. Não são vinhos fáceis, querem aliar-se a um bom prato de tacho para integrar toda a acidez e tanino.

Marcado a Ferros
Marcado a Ferros Branco e Tinto.

O Marcado a Ferros, 100% vinhas velhas de Touriga Nacional, foi feito para mostrar todo o lado violeta desta casta. O aroma a violeta é intenso. O vinho é elegante, algo vegetal, muito seco com tanino muito muito vivo. Aroma quente, que nos leva novamente ao terroir. Nem todos irão gostar.

Por fim, o Tirado a Ferros Tinto, mostra um tanino forte de chocolate, cacau. Vinho elegante, complexo, final de boca longo e madeira bem integrada. A acidez e frescura revelada permite um jogo interessante com os 24 meses de barrica. Um vinho que enche as medidas com personalidade forte.

O principal elogio que podemos fazer a Pedro Pimentel Pereira é traduzir a sua paixão e respeito por métodos ancestrais, o seu arrojo e criatividade, que depois se traduz em vinhos de personalidade forte e inegável qualidade.

Estes são vinhos com perfil, que querem um apreciador preparado para vinhos de profunda ligação ao terroir, que não serão tão fáceis como outras opções. Acreditamos que os preços entre os 20 e os 45 euros, farão a seleção natural e darão a este projeto os procurados apreciadores. 

 

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